A simplicidade é o selo da verdade? 2025 ou antes e depoisA retrospectiva como vaidade; Dorothy Parker; analógico + digital.O que é uma retrospectiva senão uma vaidade em forma de narrativa cronológica? Entre os marcos temporais e o vislumbre de alguns dias de descanso, olhamos para os últimos meses vividos como quem chacoalha um globo de neve, em uma busca por organizar o caos do vivido para que ele pareça coerente, contínuo, até mesmo digno de ser contado. E, afinal, estamos vivos: algo bem mais amplo do que um prêmio de consolação. A retrospectiva não nasce do passado, mas do presente que olha para trás e escolhe o que merece permanecer, como as marcas de lápis no caderno que sobrevivem à fricção da borracha. É uma busca entre o automático das datas e as expectativas dos novos rumos. Como pronunciava Dorothy Parker, “Quatro coisas sem as quais eu teria me sentido melhor: / Amor, curiosidade, sardas e dúvida”. Uma retrospectiva, em certa medida, assemelha-se a uma edição mensal de um jornal impresso (quem diria…): não registra o que aconteceu, edita. Corta arestas, suaviza fracassos, sublinha vitórias e, sobretudo, constrói sentido onde antes havia apenas sobrevivência. Há nela um desejo profundo de legitimação: provar que o caminho fez sentido, que os desvios eram parte do trajeto, que as quedas foram ensaio para o salto seguinte. De fato, a cronologia funciona como um álibi. Ao ordenar os fatos, a narrativa se protege do acaso e da desordem, como se o tempo obedecesse a uma lógica que só se revela depois. É vaidade, sim, mas uma vaidade quase necessária. Sem ela, o vivido se dissolve em fragmentos sem memória, e ninguém suporta existir sem uma história que o sustente. E qual foi a narrativa-2025 do RelevO? Parece-nos simples: aqui estamos, à beira do fechamento da edição de janeiro, cuidando para não escrever as datas erradas, o lapso cerebral que insiste em não girar o calendário nas pequenas repetições do dia a dia. Continuamos. Uma retrospectiva é menos relatório, mais confissão. Menos linha do tempo, mais costura de memórias. Porque, no fundo, revisitar o passado recente não é celebrar o que passou, mas negociar com o presente a permanência de quem ainda somos. De fato, para um jornal impresso de papel e de literatura, uma retrospectiva é o momento em que o projeto olha para si mesmo e reconhece o custo material de existir: o papel novamente encareceu; até amanhã, véspera de Natal, precisamos pagar metade da gráfica, que também reajustou preços; todos os itens de papelaria aumentaram acima da inflação; o prejuízo que acumulamos silenciosamente em 9 de 12 edições desta temporada, ali na página 2, relembrando os assuntos da cozinha enquanto o mundo acredita que o nosso futuro é nos tornarmos todos um grande data center de IA. Precisamos de 12 novos assinantes para fechar dezembro no azul. Se não conseguirmos? Todo novo ciclo é uma curiosa esperança de sustentabilidade. Ao mesmo tempo, a retrospectiva também revela paradoxos do presente: enquanto o nosso caixa aperta, a circulação se amplia. Atualmente, atingimos 380 pontos de distribuição no Brasil todo, voltando ao patamar de distribuição de janeiro de 2020, um mês antes da pandemia da Covid-19. Nosso número de assinantes caiu de 1.150 para 1.030, embora o ticket anual tenha subido com o nosso reajuste da assinatura, de R$ 70 para R$ 80. Enquanto o papel pesa no orçamento, a presença digital se expande. De dezembro de 2024 para dezembro de 2025, a quantidade de seguidores do RelevO cresceu 30% (12.000 vs. 15.600 seguidores) — e sem impulsionar posts, decisão também motivada por saber que Mark Zuckerberg existe (calculamos que ele vá sobreviver à nossa resistência. Não estamos preso a um suporte, mas a um modo de existir no mundo, ainda mais agora que ter 1 milhão de seguidores e ser influencer não quer dizer nada: as plataformas querem mesmo é que consumamos anúncios. O impresso segue como gesto físico, lento e deliberado; o digital, como extensão, diálogo e atravessamento. Olhar para o ano que passou é reconhecer que o prejuízo não anulou o impacto do nosso produto em nossa (tsc tsc) comunidade e que ampliar circulação e presença não é sinal de conforto, mas de insistência (“essa frase parece o chatGPT” — dilemas contemporâneos). Uma retrospectiva, nesse caso, não encerra um ciclo, uma vez que documenta a decisão de continuar. A simplicidade é um selo da verdade: queremos circular, queremos que o Jornal saia do PDF, seja impresso (ou imprimido!) e chegue às mãos de leitores. Do assinante que nos apoia, do leitor que nos encontra na melhor cafeteria de sua cidade ou em uma das 200 livrarias do Brasil que recebem o RelevO todo mês. Falar de 2026, nesse registro, não é anunciar conquistas mirabolantes ou metas ruidosas, e sim – apenas – declarar um compromisso cíclico com o simples: queremos continuar. Por fim, o que desejamos para 2026? Saúde financeira e uma boa dose de diversão. Não se trata de resistir ao tempo, nem de romantizar dificuldades, mas de trabalhar dentro dele, com os limites conhecidos. Se continuarmos aqui na retrospectiva do fim do ano que vem, será porque o modelo funcionou o suficiente para prosseguir — e isso, mais que qualquer discurso, será o dado mais importante do próximo ano. Queremos continuar fazendo um impresso de literatura que circule de forma consistente, chegue aos pontos certos e encontre leitores. Por isso, o nosso obrigado não é retórico: obrigado aos assinantes, anunciantes e colaboradores que tornam esse gesto possível e nos permitem, com os pés no chão e algum afeto no horizonte, entrar em um Ano Novo (e que seja ainda melhor). |
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segunda-feira, 22 de dezembro de 2025
A simplicidade é o selo da verdade? 2025 ou antes e depois
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