Crônica do dia: Charlotte, Dos teus astrais anversos e obversos!
''E, assim deixo a minha marca, a minha escrita, os meus gritos contidos,
O meu silêncio e as minhas lágrimas de poeta.
Reinvento-me, sou filha do vento, caminho por horizontes,
Nos quais deixo sempre um pouco de mim.
Filha do vento, errante, estrangeira, caminho por horizontes, sem fim...!''
Fabiane Braga Lima
Primeira parte: Anversos!
O suave vento outonal, açoitou a árvore centenária, as aves Mores regozijavam uma lamúria tétrica ancestral. Os balançarem dos corpos sem vida, era um bailado lindamente funesto, que os habitués daquela localidade, estavam mais que acostumados com aquele espetáculo teatral.
— A senhora, senhora! Chame o meu pai? Por favor! — A lamúria parecia que vinha de todas as partes e de lugar algum.
Olhei para cima, para o topo da frondosa árvore inexistente e vi o impensável, logo pensei em Charlotte Bernard Kerber, quatro corpos sem vida, balançando aos sabores do vento outonal no agonizante arrebol, eram negras e agourentas aves Mores, elas empoleiradas e sobrevoando a árvores. Mas não eram quatro corpos sem vida, eram três.
— Ricardo? — Eu estava atônita, como eu não queria avistar o conhecido e reconhecido adicto, que o pai dele estava morto, tinha morrido em um desastre aéreo. Os outros três eram pessoas desconhecidas, dois homens, um adulto e outro um jovem adulto e uma mulher bem jovens, pelas roupas deduzi que eram maquis.
Segui o meu caminho e não fui muito longe, atravessei o decadente deck de madeira, inundado de areia fina da praia, e olhei para a esquerda, uma lufada de vento marítimo levantou uma mística borrasca de areia. O dia prometia! E logo vi que a praia agreste estava deserta e eu achei maravilhoso.
E não muito longe, vi a suntuosa barraca de acampar, branca polar, com faixas azuis nas bordas e dobraduras, era o efêmero de Charlotte Bernard Kerber, como ela mesma nomeou. E lá caminhei, antes de pôr os meus pés na areia, tirei as minhas botas de canos longos de vinil negras, confesso que as minhas roupas casuais, não eram apropriadas, as minhas vestes de ir até o cemitério mais próximo para o ambiente. Muito menos as minhas pesadas maquiagens negras e vermelhas.
E caminhei pelas normas areias da praia naquela final de uma tarde de outono e eu estava esperando pelo pior de todas as sensações.
Segunda parte: Obversos!
— Podes entrar, minha querida! — Disse Charlotte Bernard Kerber! Ela de costas para da entrada da barraca, logo pensei que a pequena exposição de quadros, ali expostos, parecia que estava disposto para a minha chegada.
A pequena exposição neoimpressionista, intitulado O Triângulo vermelho, contava uma história, que começava no velho mundo e desembocava no novo mundo, o embate da última grande guerra, a travessia para o novo mundo, a chegada no novo mundo e aculturação do que aqui chegaram. Era focado em um pequeno grupo, de mulheres, todo expressivo e cheio de sentimentos vagos e nevoentos.
— Gostei muito da vossa produção! — Eu disse baixinho
— Muito bom a vossa visita! — Disse Charlotte Bernard Kerber, que trabalhava em uma pintura, estava pintando o rosto da bailarina, o quadro que estava trabalhando na última visita que eu tinha feito. A pintora neoimpressionista, se virou para mim e deu um passo para a direita, me aproximei e vi o meu rosto na pintura. Foi arrastada pela imagem, eu estava em uma rua do subúrbio de Paris, era uma modelo de uma fotógrafa, uma chuva fina e fria começou a cair e a equipe da fotógrafa se desesperou e a fotógrafa disse em um francês, com sotaque belga, para todos ficarem quietos e bateu a fotografia. Enquanto uma capa de chuva foi lançada em cima da máquina fotográfica. Depois de fortes dores de cabeça eu voltei para o tempo presente.
— Não tem a ver, com o que você pede e sim, o que você merece, o que podemos dar e o que queremos dar! Às vezes, é um pequeno vislumbre o que se quer, ou onde quer estar! Outras é um paradoxo temporal, sem fim, um pesadelo ou um sonho! — Disse me a pintora neoimpressista e continuou — Gostei do vosso texto, na revista Astro-domo, um tanto aquém do que realmente acontece! — E me jogou de forma ríspida um exemplar da revista que peguei no ar.
— Interessante! Então é um desejo meu reprimido? — Disse eu para me arrepender depois, eu estava navegando em um universo vasto e desconhecido.
— Aí fica para a vossa imaginação! Vá embora minha cara e não volte mais aqui! Mas vamos brindar as nossas vidas, imaginária, real, presumida, reprimida ou desejada.
Charlotte Bernard Kerber ergueu duas taças de cristal e uma garrafa de vinho antiga, muito antiga. Degustamos o negro vinho e como era doce e etérea aquele líquido divinal, mergulhei em doces sensações astrais. Sai daquela tenda como se eu saísse de um sonho simbolista, na orla da praia estava apinhada de gente jovem e famílias jovens vestidas de roupas praias de tempos imemoriais e na água homens jovens surfavam com pranchas antigas em bravias ondas perigosas.
Eu tinha em mente que eu bem que gostaria de rever este cenário, mesmo sabendo que nunca mais teria a chance de rever este universo mágico do triângulo vermelho. Pois eu já tinha experimentado o que não queria, mas merecia e eu não ousava querer mais.
Fragmento do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
Arte digital de Clarisse Costa, é designer gráfico, poetisa novelista, contista e cronista em Biguaçu, Santa Catarina.
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