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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Crônica do dia: Depois da peça teatral Madame Macmillan!

Crônica do dia: Depois da peça teatral Madame Macmillan!

 

''Perco- me na intensidade deste sentir...

Sinto-te, desejo, mas impossível tocá-lo

Como mentir!? És tudo p'ra mim, vida,

Mas existe um abismo, entre nós dois...''

Fabiane Braga Lima

 

            O melhor de um grande dia é o dia seguinte, assim dizem! Onde as verdades se avolumam e se engrandecem, ou se diminuem e se dissipam no ar! Ao final de um grande dia, um texto meu circulava pelos subterrâneos culturais alternativos, fora paus e pedras, elogios e flores e também muita gente chocada. Norte americanos fuleiros disseram alguns, erros crassos disseram o povo das artes cênicas. E o povo das subculturas vieram os aplausos e os vivas. Eu, em particular, não me sentia pequena e nem agigantada, eu era e ainda sou, somente. Eu e a minha realidade cotidiana, era e é somente a minha realidade de uma completa desconhecida, para além do meio que eu existo.

            E nada fica no lugar, eu a cidadã das nuvens, exilada na hirta realidade, as coisas têm um peso maior. E lá estava ele, em um déja-vu, o meu pai, o consagrado e prestigiado economista financeiro e também teórico, ele estava me esperando, com a revista Astro-domo em mãos. A malfadada revista de arte, cultura e comportamento, que dificilmente, estaria nas mãos do meu jovem pai, o adorável amante de números, cálculos, planilhas e planejamento. Ele devorava livros, jornais, revistas e publicações digitais, de vários campos das ciências econômicas e da administração e do mundo das finanças. Eram publicações em vários idiomas e muitas delas desconhecidas do grande público.

         Contudo a realidade sempre se impõe, como o pior dos piores pesadelos, pois da realidade não se pode fugir, nos força a sair da segurança tranquila dos nossos mundos particulares cotidianos. Para o meu pai, a garotinha dele, estava crescendo e virando uma mocinha, criando negras asas e voando. Ler os meus textos, na versão física na revista Astro-domo, era e ainda é, vista pelo meu progenitor, como algo preocupante e particularmente aterrador.

            E de volta ao início, fiquei na porta da sala de estar, na semiescuridão, lendo a revista, pois a revista Astro-domo vem com isto, ler alguns textos na semiescuridão, eram fontes luminosas, para ler na semiescuridão. Eu esperei o golpe, fechei a porta, andei alguns passos à frente e fiquei entre a mesa de centro e o meu possível algoz.

            — Boa noite, minha filha querida! — Murmurou o meu pai, sem tirar os olhos do meu texto e continuou — Ou Lady Cristal corrijo-me eu!

            — Estás gostando da leitura? — Respondi com força.

            — Interessante, já posso calcular os quanto custa uma edição de livro de pouca tiragem e quanto custa uma digressão de uma banda de Grindcore pela Europa e pelo nosso amado país. É muito bom os contatos das pequenas editoras, selos editoriais e produtoras independentes, agora posso encomendar custos de produção e comparar preços, em diversos serviços. — Era o meu pai, falando que tudo estava bem.

            — Bom saber! — Devolvi, esperando que ele não levantasse os olhos e me encarou, mas levantou os olhos e me encarou com o olhar da penitencio e para depois me confortar com o sorriso da benevolência.

            — Outro final em aberto? — Era o professor falando e o pai indo para outro lugar.

            — Adoro as finais em aberto! E antes que pergunte, sim haverá outros desdobramentos! — Abri caminho para o meu pai voltar. Aí lembrei que estava no breu e fui acender a luz.

            — Sempre me manipulando, este velho aqui como um grande especular, manipula o mercado de comodidades de safras futuras! — O bom professor se recusava em ir embora.

Virei-me e sorri de nervoso, caminhei até a frente do meu pai, eu queria acabar com a coisa toda.

            — Uma conversa delicada! — Disse tentando não me expor.

            — O bom e velho universo compartilhado, já organizei as finanças de escritores e editoras, como é o meu mister é conhecer os meus assessorados! — Disse o meu pai e colocando a revista na mesa de centro.

            — Sim, talvez e talvez digo que vá parar em um universo compartilhado, ou eu aproveite os personagens e ambientação em outros universos meus! — Eu queria terminar aqui, joguei a minha bolsa na mesa de centro, me rendi pois a pergunta seguinte não tardava.

            — E o que houve com os quatro cavalheiros sulistas? — A pergunta veio afinal. O meu pai veio com força e adeus economista.

            — Pois bem! Digo somente para minha audiência cativa e particular! — E arrastei a poltrona que estava ao lado do meu pai, me sentei na frente da minha audiência. — Então os quatro cavalheiros de descendência sulistas, irão vivenciar os horrores e terrores que lhe foi mostrado, acordaram e se depararam com a senhora de idade avançada, varrendo as folhas secas no palco. O teatro estava vazio, a audiência simplesmente foi embora depois que a peça tinha acabado, os quatro cavalheiros de descendência sulistas, tentaram deixar o pequeno teatro. E não conseguiram, presos as poltronas, escutaram a senhora falar que eles não tinham escolhas a não ser vivenciar os mesmos horrores e terrores para sempre.

            O meu olhou para mim, se levantou e me deu boa noite. Eu me recolhi na minha insignificância e caí na cama só acordando no dia seguinte.

 

Fragmento do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Arte digital de Clarisse Costa, é designer gráfico, novelista, contista e cronista em Biguaçu, Santa Catarina.  

 

 


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