EDITORIALBom dia! Bem-vindo(a) à Enclave #132, a newsletter que só faz baliza em casa. Estávamos de férias. A edição de abril do Jornal RelevO está disponível no nosso site. Aliás, até o mês que vem, pretendemos classificar todos os assinantes do Jornal como assinantes pagos aqui do Substack, finalmente equivalendo as duas plataformas. Em outras palavras, se você assina o RelevO, certamente vai receber o que já recebe. Já seu vizinho que não assina será limitado a migalhas, retalhos, a xepa da xepa. Na verdade, não sabemos, mas testaremos. Por via das dúvidas, assine o RelevO. Por favor. Ainda mais se você gosta do nosso trabalho e fica com vergonha de nos ver passando o chapéu regularmente. Aliás, quem quiser contribuir com a edição de maio já tem um como e um onde (mas dificilmente um porquê…):
Para enviar sua pílula de sabedoria, clique aqui! HIPERTEXTOAyrton Senna, campeão semióticoNunca assisti a uma corrida de Fórmula 1. Não inteira. Não prestando atenção. Nem metade de um GP, que significa Grand Prix, e não outra coisa. Talvez minha maior memória da modalidade seja uma ultrapassagem do então jovem Juan Pablo Montoya para cima do multicampeão Michael Schumacher, em 2001, certamente por acaso em alguma manhã domiciliar. Mas minha geração, aquela pós-Senna, é traumatizada. Ou melhor, nem isso. Chegou no fim da festa ou mesmo depois dela. Eu sequer havia completado dois anos na morte de Ayrton. Todos os momentos marcantes já haviam acontecido. A catarse em frente à televisão? Ficamos de fora. Não ouvimos o tema da vitória – não com a mesma camada de intensidade. Não participamos do ritual; perdemos algo. Acontece. Aqueles que aproveitaram a festa sabem exatamente onde estavam em 1º de maio de 1994, quando as luzes se apagaram de vez e uma geração (e/ou nação) inteira foi grosseiramente convidada a se retirar do salão. Empurrado pelo luto nacional, nunca tive o menor interesse pela Fórmula 1. …e ainda não tenho. Mas arrisco dizer que entendi o fenômeno Senna. O que não é nem de longe um grande mérito. Para quem viveu, aliás, trata-se de uma enorme redundância. Bastava estar lá. Then again, eu não estava, e aqui me resta coletar algumas anotações. Coletor de epicidadeSomos adeptos do show, don’t tell. Ou somos muito preguiçosos para escrever. O fato é que, se você também não faz(ia) ideia dos momentos marcantes da carreira de Ayrton Senna, pode entender um pouco a partir de qualquer boa compilação do YouTube. Ou, melhor ainda, assistir a Senna (2010), de Asif Kapadia. É um baita documentário, sem talking heads – uma baita narrativa formada na edição, capaz de envolver o mais absoluto indiferente à Fórmula 1 [trailer]. Acontece que a carreira de Ayrton foi permeada por momentos marcantes, que pareciam trazer um protagonismo cósmico à criatura. Explico tentando ser breve, já arrependido de não ter pedido para o Deepseek fazê-lo:
Nosso MaradonaA empolgação com o tema me levou a ler a nova edição de Ayrton: o herói revelado, de Ernesto Rodrigues. Um baita livro. Por meio dele, conseguimos entender um pouco mais do apelo dessa figura sagrada para a mitologia brasileira. Também me levou a comprar um boné pela primeira vez na vida. Famoso pelos momentos de silêncio que antecediam respostas, Senna emanava uma curiosa melancolia. Era diferente dos pilotos de sua época, o que não à toa lhe rendeu o maldoso boato – empurrado por Nelson Piquet, tricampeão mundial e chofer do Bolsonaro – de que era, vejam só… gay.¹ Também era um obcecado. Foi um gênio técnico da Fórmula 1 porque dominava o carro com uma precisão sobrenatural. Sua capacidade de ler as condições da pista, especialmente sob chuva, era fora de série, bem como o esforço e a competência para relacionar os dados do veículo com a pista, otimizando cada trecho. Mas a parte técnica me interessa muito menos, até porque não tenho a menor condição de avaliá-la. Me interessa mais entender de que forma sua personalidade misturava competitividade feroz e uma sensibilidade quase poética. Um sangue latino. Óbvio, morrer jovem e tragicamente promove qualquer personalidade. A morte de Bruce Lee compõe a imagem de Bruce Lee, o que também vale para Marilyn Monroe e, claro, toda aquela lista de músicos. Mas um esportista em ação, um ídolo nacional… para quem não viveu, é difícil imaginar.² Exaltado e promovido pela mídia? Sem dúvida. Mas isso só se sustenta ao longo do tempo quando alicerçado por substância. E Senna, como vim a descobrir, tinha muita. Sabia falar, mas, principalmente, sabia como e com quem falar. Ajustava seus discursos porque era acima de tudo um sujeito demasiado inteligente. Sua entrevista com o também tricampeão Jackie Stewart – Sir Jackie Stewart – sintetiza esse atributo. Senna se defende diante de uma lenda, abraça seu ponto de vista, argumenta e não abre mão de sua convicção. Fora de sua língua nativa, o que não é um detalhe irrelevante. E ainda profere uma das frases mais famosas da história da Fórmula 1: “If you no longer go for a gap that exists, you're no longer a racing driver”.³ Essa convicção – a capacidade de envolver-se completamente e não arregar, principalmente diante deles, os colonizadores europeus [outro detalhe nada irrelevante] – é um dos vários elementos que transformam Ayrton Senna no nosso Maradona. Não é uma coincidência que o argentino adorava o brasileiro. Aliás, é muito comum encontrar, no YouTube, comentários na linha “soy argentino, pero Senna…”. O fato é que Ayrton Senna estava no famoso lugar certo, na hora certa e capturando o zeitgeist certo em um esporte em que pessoas se divertem (e morrem ou morriam) a 300 km/h. Parece difícil que novos pilotos – ou atletas em geral – consigam construir tamanha aura, afinal também falamos de um tempo menos cronometrado. Hoje não há grande misticismo, uma vez que acompanhamos tudo, o tempo todo, em excesso. Com RP infinito. Havia ali um sinal de piloto à frente do tempo, algo complicado de mensurar com as margens menores de genialidade em uma modalidade já superestruturada. Depois da morte de Senna – e do austríaco Roland Ratzenberger, na mesma maldita pista, no mesmo maldito fim de semana –, a própria Fórmula 1 ficou mais segura. E talvez tenha se encerrado de vez a era dos aventureiros que exploravam o limite da velocidade sob um risco genuíno, ainda não completamente decifrado. No próximo 1º de maio, também sentirei um vazio estranho, mesmo sem ter presenciado nada, sem saber diferenciar um Verstappen de um Vettel ou assistir mais que o tempo de um pit stop. Ayrton não conseguiu apenas imortalizar Senna. Num país de autoestima inexplicavelmente baixa, conseguiu fazê-lo mantendo-se, acima de tudo, Ayrton Senna da Silva. Um brasileiro capaz de unir brasileiros protagoniza o verdadeiro milagre e merece, portanto, as maiores honrarias. Toca o tema da vitória, p**ra! BAÚUrsula Le Guin
Ursula K. Le Guin, Como criar histórias, 1998. Ed. Seiva, 2024. 1 As especulações sobre quem Senna seria se estivesse vivo (que, em suma, resumem-se a “em quem ele votaria?”) podem ser divertidas para uma conversa despretensiosa entre amigos, mas me parecem um desperdício de imaginação quando levadas a sério. 2 Creio que o mais próximo disso que minha geração testemunhou foi o acidente da Chapecoense. Também no futebol, outro detalhe: o promissor Dener havia morrido menos de duas semanas antes de Senna. 3 Algo como “Se você não tenta se colocar em um espaço que existe, então você não é mais um piloto”. |
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terça-feira, 15 de abril de 2025
Ayrton Senna, campeão semiótico
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