EDITORIALBom dia! Bem-vindo(a) à Enclave #133, a newsletter que obtém cotovelo de tenista sem jogar tênis. Já enviamos a edição de junho do RelevO; a de maio está disponível no site! HIPERTEXTOQuem diria que Rambo não é um… RamboEstava eu ouvindo o mestre Braulio Tavares¹ no curso “A narrativa de mistério e crime” – divulgado na penúltima Latitudes, neste mesmo espaço – quando uma opinião barra informação me surpreendeu. Braulio, referência ampla em literatura, repertório, adaptações, traduções etc., afirmou que o primeiro filme de Rambo (1982) não só não era ruim, mas também era… muito bom. Desconsiderando momentaneamente a possibilidade de que Braulio pudesse errar, aquilo era informação nova para mim. Rambo sempre havia sido uma espécie de piada, a caricatura da caricatura de uma época caricata. A definição de filme estúpido (uma definição por si só estúpida, pois burro é não fazer gol), mas às vezes inescapável diante da miríade de explosões, explosões com Sylvester Stallone e, BUM!, explosões. Eu nunca tinha visto Rambo, mas, acima de tudo, nunca tinha tido a menor vontade de ver Rambo. E, que fique claro, não tenho problema algum com filmes de ação – ao contrário, a narrativa de ação bem construída é o desafio mais duro do cinema – e, na verdade, adoro películas como Terminator, Robocop, John Wick e afins. Até mesmo alguns Rocky, com o próprio Stallone. Mas Rambo cruzava uma linha. Curioso, decidi testar com meus próprios olhos. O resultado imperdível consta nas linhas abaixo. Vem comigo nesse bar secreto no coração do <bairro rico da sua cidade>! First Blood: calma, Hollywood, é só um personagem complexoO primeiro choque². Rambo, o filme, não se chama Rambo, e sim First Blood, adaptação de romance homônimo de David Morrell (1972). Nunca li – aparentemente, a Pipoca & Nanquim acabou de republicá-lo –, mas se trata de uma história mais sombria sobre traumas de guerra e o abandono dos veteranos do Vietnã.³ Originalmente, os dois First Blood (tanto livro como primeiro filme) apresentavam John Rambo como um anti-herói trágico, um veterano psicologicamente destruído, vítima de uma sociedade que o rejeita. Ainda que [aparentemente] menos brutal que o romance, o longa-metragem mantém um tom introspectivo, culminando no icônico desabafo emocional de Stallone: “NOTHING IS OVER! NOTHING!”. É um filme com energia similar à de Taxi Driver (1976), por exemplo, e Stallone se encaixa perfeitamente no papel. First Blood não foi dirigido por um americano qualquer⁴. Aliás, não foi dirigido por um americano. A nacionalidade e o background de Ted Kotcheff – canadense de família búlgara, criado em uma comunidade de imigrantes – ajudam a entender por que seu filme transcendeu o tchtchtchtchtchtchtchtchtchtch [som de metralhadora bucal] e se tornou uma obra politicamente ácida, algo que as sequências, dirigidas por americanos (e, claro, não exclusivamente por isso), jamais alcançariam. Kotcheff vinha de uma tradição cinematográfica mais realista e menos glamourizada (como em Wake in Fright [1971], filme australiano sobre a decadência masculina). Sua abordagem em First Blood se concentrava no drama humano, não no espetáculo: diferentemente dos heróis invencíveis dos filmes de Stallone nos anos 1980, o Rambo de Kotcheff era vulnerável, sujeito a crises de estresse pós-traumático e humilhação. Por sua vez, o antagonista, xerife Teasle, não é um vilão caricato, mas um representante da América provinciana e intolerante. Por fim, há algo de verdadeiramente trágico na violência, com cenas de ação claustrofóbicas e sujas, além de certo realismo tático (isto é, em oposição a meras trocas de tiro infinitas).
U-S-A! U-S-A! U-S-A!Como sabemos bem, Hollywood exerce sua aptidão para transformar narrativas complexas em produtos simplificados, ocos e repetidos até a exaustão. Conforme a franquia evoluiu (talvez “cresceu” seja o termo mais preciso), a indústria dissolveu a crítica social de First Blood em favor de um nacionalismo caricato e de uma violência espetacularizada. E aí conhecemos o Rambo que conhecemos.⁵ A partir de Rambo II (1985), o protagonista foi transformado em um super-herói patriótico, um símbolo de força bruta que ajeitava a derrota dos EUA no Vietnã por meio de tiro, porrada e bomba. O subtexto político do primeiro filme – a crítica ao governo que escolhe guerrear, depois descarta seus veteranos – foi substituído por um revisionismo barato, em que Rambo basicamente vence guerras sozinho. A mudança refletia o clima político dos anos 1980 (a era Reagan) e a demanda por entretenimento escapista, mesmo que à custa da coerência narrativa. Em Rambo III (1988), ele já luta ao lado dos mujahidin no Afeganistão (que ironia…)⁶. Enquanto no livro e no primeiro filme Rambo era um homem quebrado e multidimensional, nas sequências ele se tornou um conjunto vazio de músculos, bandana e metralhadoras rumo à carnificina visual. Suas falas foram reduzidas a grunhidos, sua personalidade desapareceu e seu trauma de guerra subverteu-se em um detalhe esquecido. Esse esvaziamento do protagonista compôs uma nítida estratégia comercial. Hollywood percebeu que Rambo vendia mais como um ícone de ação que como um personagem realista. Como toda franquia é espremida até não render mais, então é abandonada até que um reboot a traga de volta, existe um Rambo IV (2008). E um Rambo V (2019), cuja forma final de Stallone é um vingador qualquer, agora contra cartéis mexicanos – um enredo tão genérico que dificulta paródias. Rambo: o preço da ganância [ver notas de rodapé…]Rambo começou como uma história sobre culpa e as consequências de guerras estúpidas, mas Hollywood logo a transformou em explosões patrióticas. Esse não é um destino exclusivo da franquia – é a condenação para qualquer narrativa que se torne lucrativa. Ted Kotcheff, o diretor, não era um insider de Hollywood; sua perspectiva externa permitiu que ele enxergasse os EUA com distância crítica, transformando Rambo em um símbolo dos fracassos americanos, não de seu poderio. O clímax de seu filme tem o protagonista chorando, um veterano vulnerável e destroçado soluçando. E seu desfecho (sem spoilers, digo, mais ou menos) é totalmente anticlimático. Por sua vez, Rambo II (1985) conserta essa viadagem e termina com ele caminhando descamisado em direção à selva enquanto os créditos rolam, como um verdadeiro homem. Kotcheff teve integridade suficiente para recusar a sequência:
Ted Kotcheff fez um filme sobre o preço humano da guerra. Sua perspectiva estrangeira e crítica foi essencial para a força de First Blood, mas justamente por isso ele não tinha lugar no futuro da franquia, que preferiu vender brinquedos e pôsteres⁷. Enquanto os filmes posteriores degradaram Rambo em uma caricatura, o primeiro deles permanece como um raro momento em que um blockbuster hollywoodiano questionou de fato o próprio país que o produziu. E, quem sabe, quem sabe, isso só foi possível porque um canadense de origem búlgara estava atrás das câmeras – alguém suficientemente distante de seu histrionismo militar. Ted Kotcheff morreu em abril, três dias após completar 94 anos. BAÚHans Staden
Hans Staden, Duas Viagens ao Brasil, 1557. Fonte. 1 Que, inclusive, acaba de se juntar ao Substack. 2 Rambo: o primeiro choque (2025). 3 Aqui, uma nota curiosa: o Rambo de Stallone não foi o primeiro Rambo do cinema. Tomas Milian interpretou o papel na adaptação IL GIUSTIZIERE SFIDA LA CITTÀ (a caixa-alta é invenção nossa), ou A Cidade de um Justiceiro (1975), de Umberto Lenzi, com inspiração assumida em Sergio Leone. 4 Rambo: um americano qualquer (2027). 5 O que é irônico de se afirmar, afinal eu de fato não assisti a mais nenhum. Na prática, portanto, esse texto (e essa argumentação) não têm qualquer valor. Mesmo. De pensar que você poderia estar lendo Cervantes. Ah, e Rambo: o Rambo que conhecemos (2030). 7 Rambo: brinquedos e pôsteres (2033). |
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Latitudes #61
Latitudes #61Concursos literários, editais, cursos de literatura, eventos literários e financiamentos coletivos entre 3 e 30 de junho.
Concursos literários e cursos de literatura3 de junho[São Paulo] Aulas gratuitas de dramaturgiaA Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, continua a realizar a série gratuita “Como Escrever Teatro”, com palestras de dramaturgos. As aulas acontecem no Auditório Rubens Borba de Moraes, sempre das 19h às 20h45. Os ingressos devem ser retirados com uma hora de antecedência no local. [Brasil] Curso: Samba-canção e Bossa Nova: o Samba se moderniza nas noites de CopacabanaNão é literatura, mas o RelevO indica (não é “publi”). Flávio Mendes, do excelente canal O Arranjo, começará amanhã um curso de quatro encontros (terça-feira, 19h) – ao vivo, com gravações disponíveis – sobre a modernização da música brasileira nos anos 1950, a época do samba-canção. Inscrições aqui. 6 de junho[Brasil] Prêmio Cadeado de ChumboJornalistas e cidadãos que tiveram pedidos negados com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) podem indicar casos para o Prêmio Cadeado de Chumbo, realizado pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas e pela RETPS. A premiação destaca as piores respostas de órgãos públicos em seis categorias, como “Lero-lero”, “Passa ou repassa” e “Não fale conosco”. 8 de junho[Brasil] Bolsa IMS de PesquisaO Instituto Moreira Salles recebe inscrições para a 6ª edição da Bolsa IMS de Pesquisa. Serão selecionados dois projetos inéditos, com foco em fotografia ou artes visuais, que abordem os trabalhos de Lily Sverner e Hilde Weber. Cada contemplado receberá R$ 36 mil, pagos em 12 parcelas mensais. [Brasil] Edital da Flup para livro infantil de autores periféricosA Festa Literária das Periferias (Flup), em parceria com a Editora Voo, está com o edital Bota Fé na Leitura, que premiará uma autora negra e um(a) ilustrador(a) negro(a) da periferia com a publicação de um livro infantil, aberto. As inscrições são gratuitas. Os selecionados terão acompanhamento editorial e receberão exemplares da tiragem. 9 de junho[Brasil] Aula aberta sobre fundamentos do roteiroRicardo Tiezzi ministra aula aberta via Zoom, pela Seiva, sobre teoria e prática da escrita para TV e cinema. Com foco na criação de personagens, estrutura e argumento moral, o encontro inclui laboratório prático e simulação de sala de roteiro. Inscrições aqui. [Brasil] Prêmio Sebrae de JornalismoA 12ª edição do prêmio recebe inscrições de matérias em quatro categorias: Texto, Áudio, Vídeo, Fotojornalismo e Jornalismo Universitário. Os vencedores levam celulares de última geração e notebooks. 10 de junho[Brasil] Prêmio Vladimir HerzogEstão abertas as inscrições para a 47ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Podem ser inscritos trabalhos produzidos entre 2023 e 2025, nas áreas de texto, foto, vídeo, áudio, arte, multimídia e livro-reportagem, realizados por jornalistas, repórteres fotográficos, ilustradores e escritores. 11 de junho[Brasil] Aula gratuita sobre escrita em tempos políticosA aula “Tempos políticos: escritas de si em tempos conturbados”, com a tradutora e pesquisadora Gisele Eberspächer, é gratuita e acontece das 19h às 21h, via Google Meet. Ela reflete sobre a relação entre literatura e contexto político a partir de ensaístas como George Orwell, Wislawa Szymborska e Svetlana Aleksiévitch. 16 de junho[Brasil] Curso de Gestão de LivrariasEstão abertas as inscrições para a nova edição do curso Gestão de Livrarias: Formação para Livreiros, promovido pela Casa Educação em parceria com a Catavento Distribuidora. As aulas on-line e ao vivo começam em 16 de junho e ocorrem às segundas e quartas-feiras, das 19h às 21h10. 23 de junho[Curitiba] Edital para literatura do Fundo Municipal da CulturaCuritiba está com 13 editais abertos para a área de cultura. Um deles é voltado à literatura para iniciantes e coletivos de escritores, com o fomento à produção de oito obras literárias inéditas nos gêneros romance, conto, poesia, crônica e literatura infantojuvenil. O valor do edital de literatura é de R$ 290 mil. 25 de junho[Brasil] 2º Prêmio Candango de LiteraturaEstão abertas a participantes de todos os países de língua portuguesa as inscrições para o prêmio realizado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal. Dividida em três pilares — obras de caráter literário, editorial e iniciativas pedagógicas de incentivo à leitura —, a iniciativa distribuirá R$ 195 mil a escritores, designers e projetos de incentivo à leitura. 27 de junho[Brasil] Bolsa ZUM/IMS 2025A 13ª edição da Bolsa ZUM/IMS está com inscrições abertas até 27 de junho. Serão selecionados dois projetos inéditos nas áreas de fotografia e imagem, que receberão R$ 80 mil cada e terão oito meses para finalização. Os trabalhos integrarão a coleção de arte contemporânea do Instituto Moreira Salles. 30 de junho[Brasil] Prêmio Pallas de LiteraturaAutores negros residentes no Brasil podem participar do Prêmio Pallas de Literatura 2025, voltado a romances inéditos. A premiação inclui publicação da obra e tutoria com acompanhamento editorial. A organização é da Pallas Editora. [Brasil] Prêmio Bem-te-vi de Literatura para a InfânciaA Physalis Editora está com inscrições abertas para o Prêmio Bem-te-vi. A premiação inclui publicação com tiragem mínima de mil exemplares, prêmio em dinheiro e título de adiantamento de direitos autorais. Assine nosso Substack para receber conteúdos como este! Feiras e festivais literáriosOlhar de Cinema - Festival Internacional de CuritibaA 14ª edição do festival acontece de 11 a 19 de junho, com mais de 90 filmes na programação, entre longas e curtas-metragens, entre estreias mundiais, nacionais, clássicos e produções infantis. O evento também contempla o 1º MECI — Mercado do Cinema Independente, um evento que nasce com o objetivo de fortalecer o cinema independente, criando um espaço dedicado à conexão entre realizadores, distribuidores, exibidores, plataformas de streaming, canais e profissionais do setor audiovisual. A Feira do LivroEntre 14 e 22 de junho, a Praça Charles Miller, no bairro do Pacaembu, em São Paulo, recebe a quarta edição d’A Feira do Livro. O festival literário gratuito reúne mais de 150 editoras, livrarias e instituições ligadas ao livro e à leitura. A programação inclui debates, oficinas, sessões de autógrafos e, neste ano, estreia o Espaço Rebentos, dedicado ao público infantil. Rio International Publishers SummitEm 11 e 12 de junho, o Rio de Janeiro sedia a segunda edição do Rio International Publishers Summit, promovido pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). O evento reunirá profissionais do mercado editorial nacional e internacional para discutir temas como inteligência artificial, sustentabilidade, práticas ESG e políticas públicas para o setor. A programação inclui painéis, rodadas de negócios e visitas técnicas. Bienal do Livro Rio 2025Entre 13 e 22 de junho, o Riocentro será palco da Bienal do Livro Rio 2025, com mais de 200 horas de atrações para todos os públicos. A programação traz nomes como Ailton Krenak, Conceição Evaristo, Marcelo Rubens Paiva, Drauzio Varella, Pedro Bial e Miriam Leitão. Na cena internacional, nomes como a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, a cubana Teresa Cárdenas e o mangaká japonês Nagabe participam. 33ª Convenção Nacional de LivrariasA 33ª edição da Convenção Nacional de Livrarias será realizada em 12 de junho, no Lagune Barra Hotel, no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, o evento acontecerá em um único dia, trazendo uma programação intensa e focada na união do setor para superar os desafios do mercado nacional. Promovido pela Associação Nacional de Livrarias (ANL), o evento tem como tema “O ecossistema do livro”. Financiamentos coletivosO Arcano ZeroA Cartola Editora está com financiamento coletivo aberto até 7 de junho para publicar uma antologia que segue os passos errantes do Arcano Zero por mundos mágicos e territórios esquecidos. Coleção Pecados Capitais: FúriaEstá em andamento, pela plataforma Catarse, o financiamento coletivo para publicação da do primeiro livro da coleção, fruto de um concurso literário no Instagram do Grupo Editorial Triumphus. Mais de cinco mil textos competiram pelas 98 vagas que dão voz à obra que tem a Fúria como tema. A coleção conta com 9 obras no total. © 2025 Jornal RelevO |
Quem diria que Rambo não é um... Rambo
Enclave #133: RIP Ted Kotcheff. Hans Staden. ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ...
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Uma ligeira reflexão sobre o marketing da pureza. NYT = Not Your Therizinosaurus??? ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ...